terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cracolândia: Para além dos muros invisíveis









Na última terça-feira (3), os paulistanos foram surpreendidos nas primeiras horas do dia com imagens de ruas sendo lavadas e abordagens policiais violentas. Essa foi a “operação sufoco”, realizada pela Polícia Militar, no combate ao tráfico de drogas na região conhecida como Cracolândia, localizada no centro de São Paulo.

O assunto é deveras complexo. Não cabem dúvidas de que o tráfico de drogas precisa ser combatido e de que as regiões centrais das grandes cidades precisam elevar seu padrão de urbanização. E com maior razão São Paulo, onde é agudo o processo de deterioração do centro. Mas ficou evidente que a operação em curso na capital paulistana não passou de um factoide. O resultado é a prisão de umas poucas dezenas de pessoas e a apreensão de umas tantas pedras de crack.

De acordo com declarações da Polícia Militar de São Paulo, a operação está dividida em três fases: a primeira de policiamento ostensivo, com abordagem e dispersão, de fato a expulsão, dos dependentes químicos da região; a segunda de assistência social e de saúde; e a terceira de manutenção do policiamento, com o intuito de inibir a formação de novas cracolândias.

Após o choque proposto pelo espetáculo dessa operação, e depois de muitas declarações desencontradas prestadas pelos governos – municipal e estadual – e pelo comando da PM, percebemos a situação tal como ela realmente é. E duas questões surgem: Por que expulsar os dependentes químicos se não havia uma ação concreta de assistência social para ser implantada? Onde eles iriam colocar os mais de 2 mil usuários daquela região? A ação repressiva apenas dispersou para as ruas adjacentes os dependentes que continuam perambulando no chamado centro velho da capital paulistana drogando-se nas vias públicas.

Em ano eleitoral talvez não seja difícil fazer um exercício mental para entender qual o real objetivo desta ação atroada e desarticulada da PM de São Paulo. Mais uma vez os interesses econômicos, amparados no projeto “Nova Luz”, da Prefeitura de São Paulo, e o posicionamento de boa parte dos paulistanos, de que os usuários são uma ameaça e degradam o patrimônio da cidade, serviram de base para justificar uma ação truculenta e marginalizante.

Vários especialistas não aprovam a ação da forma como vem sendo realizada, pois a medida repressiva causa justamente o resultado oposto e destrói ações que já vinham sendo realizadas no local. Segundo eles, o crack não é caso de polícia, mas sim de política pública, esta que deve estar amparada em ações de prevenção, redução de danos, tratamento e repressão ao tráfico.

No entanto, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), na maior parte dos países, 90% do orçamento dedicado ao combate vão apenas para repressão. Outra questão é que muitas vezes o acompanhamento dos usuários é realizado por outras instituições, como ONGs e igrejas, quando não é privatizado, enfraquecendo o poder de execução do Estado. Isso acontece porque a política pública é tratada de forma desequilibrada e desarticulada entre os diversos setores do governo.

Esse episódio marcou a todos que puderam ver mais a fundo como vivem aquelas pessoas. Perseguir e trancafiar os dependentes não representa o melhor remédio para a situação. É preciso discutir em todas as instâncias sociais, quebrar os muros invisíveis do preconceito e da criminalização. É preciso agregar as agendas daqueles que lutam pela melhoria da região, ajustar essas agendas a ações de saúde, educação, lazer e cultura.

Nesse sentido, a mobilização da sociedade é fundamental no entendimento dessa tragédia nacional em que se tornaram as drogas. No lugar de se discutir quem deu a ordem para a ação na Cracolândia, os governos deveriam estar pensando em políticas de Estado que visassem à construção de casas de atendimento, equipes nas ruas para atender os usuários e também suas famílias, que ficam desamparadas.

É necessário ainda muito debate público e a sociedade precisa estar ciente dessa temática, que não vai ser solucionada apenas por decreto. Além disso, é preciso pensar na reinserção dessas pessoas na sociedade com programas específicos e eficazes. 

Esta é uma batalha grande em diversas frentes, que passa pelo empoderamento das comunidades e pessoas, oferecendo lugares dignos no interior da sociedade.

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